Por que a indústria nuclear não faz marketing?
Marco Antônio Torres Alves*
Marco Antônio Torres Alves*
Outro dia, participei de uma mesa redonda sobre comunicação no setor nuclear em uma universidade aqui no Rio de Janeiro e um participante, no final da mesa anterior à minha – que era sobre o acidente de Fukushima, se não me engano –, lançou a pergunta do título. Como diante de tantas vantagens, a energia nuclear continua sendo tão estigmatizada? Claramente, deu para sentir o incômodo pairando no ar entre os técnicos que participavam daquela mesa. Ensaiaram uma resposta tímida, mostrando os esforços que têm sido feitos recentemente, porém a resposta ficou longe de ser satisfatória. Quando chegou a minha vez de falar, a bola ainda estava quicando e é com base nesse episódio que resolvi escrever este artigo.
A primeira pergunta que me fiz foi qual a grande diferença entre a comunicação da indústria nuclear e a do petróleo. De cara, além da óbvia concorrência pelo protagonismo na geração de energia, temos muito mais semelhanças do que diferenças: todas as duas são baseadas na exploração de recursos minerais (portanto, não renováveis); seu uso requer o uso de tecnologias comPor que a indústria nuclear não faz marketing?
Marco Antônio Torres Alves*
Outro dia, participei de uma mesa redonda sobre comunicação no setor nuclear em uma universidade aqui no Rio de Janeiro e um participante, no final da mesa anterior à minha – que era sobre o acidente de Fukushima, se não me engano –, lançou a pergunta do título. Como diante de tantas vantagens, a energia nuclear continua sendo tão estigmatizada? Claramente, deu para sentir o incômodo pairando no ar entre os técnicos que participavam daquela mesa. Ensaiaram uma resposta tímida, mostrando os esforços que têm sido feitos recentemente, porém a resposta ficou longe de ser satisfatória. Quando chegou a minha vez de falar, a bola ainda estava quicando e é com base nesse episódio que resolvi escrever este artigo.
A primeira pergunta que me fiz foi qual a grande diferença entre a comunicação da indústria nuclear e a do petróleo. De cara, além da óbvia concorrência pelo protagonismo na geração de energia, temos muito mais semelhanças do que diferenças: todas as duas são baseadas na exploração de recursos minerais (portanto, não renováveis); seu uso requer o uso de tecnologias complexas para controle de efeitos adversos; e produzem resíduos potencialmente prejudiciais aos seres vivos e ao ambiente. Porém, a forma como estas atividades são vistas pela sociedade é muito diferente, sempre com a opção nuclear na última posição.
O grande ponto de diferenciação está na própria postura dessas indústrias frente à sociedade. Enquanto o petróleo sempre foi uma atividade voltada para o mercado, a nuclear sempre esteve ligada a programas de governo. Enquanto negócio, o petróleo e seus derivados precisavam ser “vendidos” e conquistar consumidores para sobreviver. O nuclear, enquanto atividade de governo (militar ou científica) custeada pelo contribuinte, buscava ser “aceita” pelo cidadão para continuar a existir.
O petróleo faz marketing e o nuclear comunica. O primeiro investe no discurso emocional e na associação com atributos subjetivos para despertar sentimentos positivos e engajar admiradores. O racional e científico, na grande maioria das vezes, nem aparece no discurso. Eu lhe pergunto, amigo leitor: você já viu alguma propaganda de gasolina explicando como ela é feita?
A indústria nuclear, ao contrário, sempre adotou o discurso racional e objetivo, utilizando técnicos e cientistas como protagonistas na sua comunicação. A busca de aceitação (pessoalmente, acho péssimo esse termo. Até uma doença terminal pode vir a ser aceita) nunca deu bons resultados. Mesmo assim, a indústria nuclear insiste obsessivamente nesse caminho.
Nos acidentes, essa diferença no discurso tem proporções e resultados gritantes. A BP investiu centenas de milhões de dólares em ações de publicidade e marketing em 2010, quando do vazamento no Golfo do México, o maior desastre ambiental nos EUA. Chegou até mesmo a trocar sua marca por uma com três tons de verde para mostrar seu compromisso ambiental. E, em menos de um ano, a empresa recuperou seu valor de mercado e a confiança dos consumidores.
Em Fukushima, técnicos e cientistas do mundo todo envidaram seus melhores esforços para explicar o ocorrido, mesmo assim não foram capazes de evitar a pressão popular que levou o governo japonês a fechar todas as demais usinas nucleares do país. Decisão que elevou muito o custo da eletricidade, mas cobrou seu preço mais alto em cerca de 1.200 vidas perdidas devido ao frio nos dois anos subsequentes. Mesmo assim, a desconfiança do povo japonês na energia nuclear continua.
Nada contra o discurso científico, mas não é só pelas mentes que vamos conquistar apoio popular, um dos grandes gargalos de qualquer empreendimento nuclear. Se, de fato, enxergamos que a expansão da geração nuclear é essencial no combate às alterações climáticas não podemos deixar de lado a comunicação direcionada aos corações. Afinal, melhor do que ser aceito é ser amado.plexas para controle de efeitos adversos; e produzem resíduos potencialmente prejudiciais aos seres vivos e ao ambiente. Porém, a forma como estas atividades são vistas pela sociedade é muito diferente, sempre com a opção nuclear na última posição.
O grande ponto de diferenciação está na própria postura dessas indústrias frente à sociedade. Enquanto o petróleo sempre foi uma atividade voltada para o mercado, a nuclear sempre esteve ligada a programas de governo. Enquanto negócio, o petróleo e seus derivados precisavam ser “vendidos” e conquistar consumidores para sobreviver. O nuclear, enquanto atividade de governo (militar ou científica) custeada pelo contribuinte, buscava ser “aceita” pelo cidadão para continuar a existir.
O petróleo faz marketing e o nuclear comunica. O primeiro investe no discurso emocional e na associação com atributos subjetivos para despertar sentimentos positivos e engajar admiradores. O racional e científico, na grande maioria das vezes, nem aparece no discurso. Eu lhe pergunto, amigo leitor: você já viu alguma propaganda de gasolina explicando como ela é feita?
A indústria nuclear, ao contrário, sempre adotou o discurso racional e objetivo, utilizando técnicos e cientistas como protagonistas na sua comunicação. A busca de aceitação (pessoalmente, acho péssimo esse termo. Até uma doença terminal pode vir a ser aceita) nunca deu bons resultados. Mesmo assim, a indústria nuclear insiste obsessivamente nesse caminho.
Nos acidentes, essa diferença no discurso tem proporções e resultados gritantes. A BP investiu centenas de milhões de dólares em ações de publicidade e marketing em 2010, quando do vazamento no Golfo do México, o maior desastre ambiental nos EUA. Chegou até mesmo a trocar sua marca por uma com três tons de verde para mostrar seu compromisso ambiental. E, em menos de um ano, a empresa recuperou seu valor de mercado e a confiança dos consumidores.
Em Fukushima, técnicos e cientistas do mundo todo envidaram seus melhores esforços para explicar o ocorrido, mesmo assim não foram capazes de evitar a pressão popular que levou o governo japonês a fechar todas as demais usinas nucleares do país. Decisão que elevou muito o custo da eletricidade, mas cobrou seu preço mais alto em cerca de 1.200 vidas perdidas devido ao frio nos dois anos subsequentes. Mesmo assim, a desconfiança do povo japonês na energia nuclear continua.
Nada contra o discurso científico, mas não é só pelas mentes que vamos conquistar apoio popular, um dos grandes gargalos de qualquer empreendimento nuclear. Se, de fato, enxergamos que a expansão da geração nuclear é essencial no combate às alterações climáticas não podemos deixar de lado a comunicação direcionada aos corações. Afinal, melhor do que ser aceito é ser amado.
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